Durante quase todo o século 20, uma dúvida angustiou a economia mundial. Quando será o pico máximo da produção de petróleo?
Consequentemente, com o fim das reservas, como as indústrias e os carros continuarão funcionando?
O século 21 chegou, e aquelas preocupações perderam toda a urgência.
“A festa acabou para o petróleo” – escreveu o especialista americano Daniel Yergin em fevereiro de 2015.
Para esse respeitado consultor e historiador da indústria do petróleo, a questão mudou de foco, graças à nova geopolítica mundial e aos avanços tecnológicos da última década em mobilidade elétrica e geração de energia.
“A pergunta deixou de ser: quando nós vamos ficar sem petróleo? e passou a ser: por quanto tempo nós ainda vamos continuar a usá-lo?” – disse ele em 2016.
Na Europa, Índia, China e em vários estados americanos, como a Califórnia, o mais rico dos Estados Unidos, os veículos elétricos já têm data marcada para substituir os automóveis a combustíveis fósseis.
Será por volta de 2040, no máximo, ano em que a frota mundial chegará a 280 milhões de carros elétricos, segundo o World Energy Outlook 2017, estudo da Agência Internacional de Energia (IEA).
FROTA GLOBAL
O crescimento exponencial da mobilidade elétrica é uma realidade. Em 2018, a frota global de veículos elétricos/híbridos será de 5 milhões de unidades, prevê a consultoria sueca EV Volumes.
Esse número tinha sido de 1,2 milhão em 2015 e de mais de 2 milhões em 2016, segundo a IEA.
O mercado mundial, portanto, já está crescendo em progressão geométrica, acrescentando milhões de veículos elétricos ao estoque global de um ano para o outro.
Alguns exemplos.
Em janeiro, a associação das empresas do transporte rodoviário da Noruega (OFV) anunciou que as vendas de carros elétricos e híbridos no país em 2017 superaram, pela primeira vez, as de veículos a combustão (52% do total).
Em Shenzen, a quarta maior cidade da China, o governo local anunciou ter concluído no final de 2017 a troca de todos os 16 mil ônibus da frota municipal por veículos elétricos.
Em Portugal, o ministro do Meio Ambiente disse que em 2018 todo o país estará coberto por uma rede de eletropostos, com uma distância máxima de 60 km entre eles.
Nos Estados Unidos, a empresa de painéis fotovoltaicos Sandpoint fechou um acordo com o estado do Missouri em março de 2017 para dar início à transformação da lendária Route 66 na primeira rodovia solar americana.
A primeira estrada solar do mundo, aliás, já tinha sido inaugurada em novembro de 2016 na França, na pequena cidade de Tourouvre-au-Perche, na Normandia: um trecho de 1 km, recoberto por 2.400 m² de painéis solares.
A mobilidade elétrica, portanto, parece ser uma tendência irresistível no mundo desenvolvido.
Ela é o resultado do consenso ambiental finalmente alcançado no Acordo de Paris (2015) e da mudança na geopolítica mundial provocada pela economia chinesa – mas não exclusivamente por ela.
A Índia, por exemplo, será responsável por nada menos do que 30% do aumento previsto da demanda global de eletricidade até 2040, segundo a IEA.
A meta do governo indiano é eliminar os veículos movidos a combustíveis fósseis até 2030 – um desafio portentoso para um país de 1,3 bilhão de habitantes.
Na Europa, já começou a corrida pelo banimento dos veículos a combustão, com os governos fixando metas cada vez mais apertadas. Exemplos:
-Noruega: até 2025;
-Holanda: até 2025;
-Alemanha: até 2030;
-França: até 2040;
-Reino Unido: até 2040.
CHINA
Na China, o governo não fixou um ano específico para o fim dos combustíveis fósseis no país, mas tem adotado políticas radicais de mobilidade elétrica e controle da poluição.
Os números chineses são impressionantes e explicam porque o país, desde 2015, é o maior mercado para o veículo elétrico no mundo.
A meta inicial do país de chegar a 2020 com 200 mil ônibus elétricos foi batida facilmente. No final de 2016, a frota nacional de transporte público elétrico já superava os 300 mil veículos.
A China também tem a maior frota mundial de motos elétricas e scooters (200 milhões de unidades em 2016) e de veículos elétricos de baixa velocidade (entre 3 e 4 milhões), segundo o EV Outlook 2017 da IEA.
Em 2016, dos 750 mil carros elétricos e híbridos comercializados no mundo, nada menos do que 336 mil foram vendidos na China – o dobro dos Estados Unidos (160 mil).
Em Pequim (Beijing), o governo completou no final do ano passado a instalação de 112 mil eletropostos nas ruas da capital do país.
EUA
Nos Estados Unidos, a decisão do presidente Donald Trump de sair do Acordo de Paris, em junho de 2017, foi contestada por governadores de pelo menos dez estados.
No mesmo dia, eles criaram a Aliança do Clima, que representa 16% do total de emissões de gases do efeito estufa do país.
Entre os dissidentes, estão a Califórnia e Nova York – dois dos estados mais poluidores – e Massachusetts e Vermont – governados por republicanos.
O ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, lidera uma coalizão de 30 prefeitos e mais de cem empresas americanas em defesa do acordo climático.
Entre essas empresas, estão o Facebook, Apple, GM e GE, mas também a Chevron e ExxonMobil- duas das maiores petrolíferas do mundo, que se deram conta dos novos tempos.
Elon Musk, fundador da Tesla e da SpaceX, rompeu com Trump e deixou o conselho empresarial de assessoria do presidente no dia seguinte ao anúncio sobre o Acordo de Paris.
O objetivo de Trump, entre outros, é acabar com o Plano de Energia Limpa de Barack Obama, que previa cortar 32% das emissões das usinas elétricas a carvão dos EUA até 2030. Dificilmente vai conseguir.
Em 2015, a indústria de carvão americana gerava 21% da energia consumida no país e empregava 66 mil pessoas. Trump elegeu-se prometendo preservar esses empregos.
Para Michael Bloomberg, no entanto, isso é pura ilusão. Desde 2011 – diz ele – 259 usinas de carvão dos EUA já anunciaram seu fechamento. “Esses empregos não voltarão”.
Segundo estudo da Environmental Entrepreneurs, uma associação de empresas ligadas à economia de baixo carbono, só a indústria de energia solar americana empregava 300 mil pessoas em 2016 – quase cinco vezes mais do que a de carvão.
Em todo o setor de energias limpas nos EUA – acrescenta o relatório – já seriam mais de 2,5 milhões de empregos.
Essa é, portanto, uma batalha do velho contra o novo, que não poderá ser barrada com a construção de muros de concreto na fronteira.
ACORDO DE PARIS
Depois do fracasso do Protocolo de Quioto (1997), o Acordo de Paris, de novembro de 2015, é a iniciativa mais ambiciosa para evitar o aquecimento global e reduzir os gases do efeito estufa.
Assinado por 195 países, entre os quais o Brasil, tem por meta conter o aumento da temperatura global a um máximo de 2º C ao longo do século, em relação aos níveis pré-industriais.
Diferentemente dos acordos anteriores, este “pegou”, ainda que, em alguns países, num ritmo inferior ao imaginado nos primeiros dias.
Basta lembrar que a meta inicial dos signatários de chegar a 2050 com uma frota mundial elétrica de 100 milhões de veículos já parece modesta.
O mercado projeta quase o triplo disso – 280 milhões de VEs em 2040, segundo a Agência Internacional de Energia, órgão ligado à OCDE e principal referência sobre mobilidade elétrica no mundo.
Essa impressionante corrida tecnológica será puxada principalmente pela China e Europa, diz a IEA, com a Índia em terceiro. Os Estados Unidos ficarão apenas em quarto lugar.
Em Paris, países como China, Alemanha, Irlanda, Japão, além de oito estados americanos (Califórnia, Connecticut, Maryland, Massachusetts, Nova York, Oregon, Rhode Island e Vermont) comprometeram-se a ter entre 5% e 10% de veículos elétricos em suas frotas totais até 2020.
A Escandinávia foi ainda mais ambiciosa e não limitou suas metas ao transporte.
Dinamarca, Noruega e Suécia decidiram atingir a descarbonização de 100% de suas economias até 2050. A Finlândia fixou a meta em 80%.
Nem todos os países cumprirão as metas anunciadas em Paris. A Alemanha, por exemplo, dificilmente o fará nos prazos iniciais. Os Estados Unidos, sob Trump, idem.
Nesses países, a velha indústria do petróleo e do transporte a diesel ainda resiste aos novos tempos. Mas não por muito tempo.
BATERIAS
O principal argumento contra os veículos elétricos – o alto custo das baterias e a sua reduzida autonomia – também perde força, graças à inovação tecnológica.
Um estudo da Bloomberg Energy Finance, de fevereiro deste ano, prevê que a queda do custo das baterias fará com que o preço de um automóvel ou ônibus elétrico fique igual ao de um equivalente a combustível fóssil até 2026.
Mantida a atual curva de redução do preços, as novas gerações de baterias de íon de lítio custarão US$ 100 por kW/hora, ou menos, a partir de 2026, viabilizando os veículos elétricos.
Essa redução faz toda a diferença. Um ônibus elétrico, por exemplo, custa no Brasil em torno de R$ 1 milhão, e quase a metade desse preço deve-se às baterias. Um equivalente a diesel custa entre R$ 450 e R$ 500.
Os próprios especialistas da IEA advertem que a descarbonização acelerada do transporte e da economia em geral não significa que o fim da era do petróleo esteja próxima.
Mas significa, sim, que o petróleo já não será indispensável para a economia mundial, ainda que possa ser usado por mais algumas décadas para geração de eletricidade e transporte a longas distâncias (aviões e navios).
E O BRASIL?
O Brasil é um dos países signatários do Acordo de Paris que estão atrasados com suas metas ambientais.
É verdade que as vendas de veículos elétricos e híbridos no Brasil triplicaram ano passado, saltando de 1.091 em 2016 para 3.296 em 2017.
Ainda assim, os números são quase insignificantes, se comparados com o total da frota de automóveis no Brasil, de 43,4 milhões em 2017. Veja o quadro.
No transporte público, o cenário não é diferente, apesar da experiência de mais de 20 anos de empresas como a Eletra na fabricação de ônibus elétricos, híbridos e trólebus.
No final de 2016, a frota nacional de ônibus elétricos não chegava a 400 veículos.
Só na cidade de São Paulo, eles eram apenas 325, para um total de 15 mil veículos, quase todos a diesel.
Esse cenário poderá mudar se o Governo Federal lançar o prometido programa Rota 2030, que incentiva a eficiência energética e a inovação tecnológica dos veículos brasileiros.
Fabricantes de elétricos ou híbridos, com Toyota, BYD, Eletra e Renault, e mesmo as montadoras tradicionais, como Volkswagen e GM, aguardam o corte de impostos para lançar novos produtos no Brasil.
Hoje, o IPI de um veículo elétrico chega a até 25% do preço total, contra apenas 7% de um carro flex comum.
“Essa é uma distorção que prejudica a mobilidade elétrica no Brasil”, segundo Ricardo Guggisberg, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
O Brasil, de fato, ainda tem muito a fazer para sintonizar-se com a tendência mundial pela mobilidade elétrica.
Poderia recolher algumas lições, por exemplo, da Noruega, o campeão mundial em mobilidade elétrica.
Os dois países são diferentes em quase tudo, mas a força de suas respectivas indústrias de petróleo os aproxima.
A Statoil – a Petrobras norueguesa – é uma das maiores petrolíferas do mundo, e a Noruega é o maior produtor de petróleo e gás da Europa. As semelhanças com o Brasil terminam aí.
Em 1990, sabiamente, o governo norueguês criou um fundo soberano para o qual transferiu todas as receitas de petróleo e gás de sua estatal, sob rígidas regras de compliance.
Em setembro de 2017, esse fundo tornou-se o segundo maior fundo de investimento do mundo, com ativos no valor de US$ 1 trilhão – num país de 5,2 milhões de habitantes!
É com essa gigantesca poupança que a Noruega financia a transição para a economia descarbonizada e sustenta os programas sociais e ambientais que, desde 2001, garantem ao país nórdico a liderança do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
É uma boa lição?
Ótima matéria!
Merece ampla divulgação!
Vamos fazer isso na rede do Programa de Logística Verde Brasil (PLVB).
A Eletra agradece!!!