Entrevista: lei a frota municipal de ônibus de SP deixará de emitir 14,3 milhões de toneladas de CO², em 20 anos

Quais as principais vantagens do ponto de vista ambiental da substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis para veículos elétricos?

Iêda- As vantagens são inquestionáveis. Um carro 100% elétrico (BEV) tem emissão praticamente zero de gás carbônico (CO²), que é o principal fator do aquecimento global, e emissão zero de óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP), que são poluentes altamente prejudiciais à saúde humana. Nos carros elétricos híbridos (HEV) ou híbridos plug-in (PHEV), o corte de emissão pode variar de 30% a mais de 70% em relação ao similar a combustível fóssil, dependendo do modelo e da motorização.

No caso dos ônibus, o impacto para a qualidade de vida das grandes cidades é ainda mais claro. Cito um exemplo da cidade de São Paulo. A lei municipal 16.802, de 2018, determina um prazo de 20 anos para todos os 14.400 ônibus a diesel em circulação no município serem substituídos por veículos de baixa emissão, elétricos ou híbridos. Pela projeção da ABVE, com a aplicação da lei a frota municipal de ônibus deixará de emitir nada menos do que 14,3 milhões de toneladas de CO² na atmosfera, em 20 anos. O benefício ambiental, portanto, é gigantesco.

E isso sem falar da poluição sonora. Os veículos elétricos são muito silenciosos. Você às vezes nem percebe que o motor está ligado. Tão silenciosos que muitos países estão obrigando a adoção de algum tipo sinal sonoro nos veículos elétricos, para que um pedestre distraído perceba melhor a aproximação deles.

Nos últimos anos podemos notar um crescimento bruto nas vendas de carros elétricos no Brasil. Essa é uma tendência para os próximos anos? Existe uma projeção sobre o aumento das vendas?

Iêda – A venda de carros elétricos e eletrificados no Brasil cresce num ritmo exponencial, seguindo uma tendência comparável à curva de crescimento de outros mercados, como o europeu e chinês. Ainda assim, os números absolutos são pequenos, pois, como disse, a eletromobilidade no Brasil está uma década atrasada em relação a outros países.

Se considerarmos apenas os veículos leves (automóveis, utilitários, SUVs e comerciais leves), veremos que em seis anos o mercado brasileiro cresceu mais de 30 vezes. Saltou de 1.091 emplacamentos em 2016 para 34.990 em 2021. Só nos cinco primeiros meses de 2022, o Brasil emplacou mais carros eletrificados do que em todo o ano de 2019. Cabe lembrar que o mercado brasileiro é liderado por um veículo elétrico de tecnologia híbrida com motor flex a etanol, desenvolvido no Brasil pela Toyota. Mesmo assim, os BEVs (100% elétricos) e os PHEVs (híbridos plug-in) também estão crescendo.

A ABVE ainda não tem uma projeção segura de vendas de veículos leves para este ano, pois alguns fatores recentes estão interferindo nas análises, como a crise de componentes, a guerra da Rússia na Ucrânia e até o cenário eleitoral. Mas seguramente crescerá além dos 34.990 do ano passado, talvez chegando a 40 mil ou um pouco mais.

Só nos primeiros cinco meses de 2022, o mercado de eletrificados cresceu 54% sobre o mesmo período do ano passado. Esse mercado segue na contramão da evolução do conjunto das vendas domésticas totais de automóveis e comerciais leves convencionais, que caíram 18% nos cinco primeiros meses em relação ao mesmo período do ano passado. Essa tendência contrastante tem ocorrido consistentemente nos últimos dois anos no mercado brasileiro.

Os carros elétricos demandam um alto investimento, seja no valor do carro, ou nas ferramentas necessárias para o seu carregamento. Com o aumento na quantidade de carros vendidos, existe a possibilidade de em breve chegarem a um valor que caiba no bolso do brasileiro?

Iêda – Neste momento, o preço de venda de um veículo elétrico, seja ele um automóvel, caminhão ou ônibus, de fato é maior do que o similar a combustível fóssil. Porém, ao longo do período de uso desse veículo, a economia é muito maior. O km rodado num carro 100% elétrico pode ser cinco a seis vezes inferior ao km rodado pelo similar a gasolina. E sem contar a manutenção, que pode ser entre 60% e 80% mais barata.

No caso dos caminhões, cito um estudo de quase dois anos atrás de minha empresa, a Eletra. Um comparativo dos custos entre um caminhão elétrico de 23 toneladas e o similar a diesel. Os resultados são impressionantes. O custo médio de manutenção no caminhão a diesel é de R$ 0,90 por km. O do elétrico, de R$ 0,50. Economia de 44%. Já o custo com combustível foi de R$ 1,78 por km no caminhão a diesel e de R$ 0,91 no elétrico. Economia de 49% .

O que está acontecendo é a gradativa disseminação dos veículos elétricos de todos os modais. Só neste ano, o mercado de veículos leves comercializou 70 modelos diferentes de veículos elétricos e eletrificados. Aos poucos, o mercado está atingindo as faixas mais modestas de renda. É uma tendência parecida com a do mercado de smartphones no passado recente: primeiro, chegaram os aparelhos de alto custo; pouco depois, eles se popularizaram.

A agenda ESG das empresas está impulsionando as vendas de comerciais leves elétricos para carga urbana (comerciais leves e caminhões) e as leis de conversão de frotas de ônibus tenderá a incentivar a produção nacional de ônibus elétricos. Com o aumento do mercado, o preço inicial dos veículos tenderá a cair naturalmente. Isso já aconteceu nos outros países e acontecerá também no Brasil, desde que não haja mudanças tributárias abruptas nas regras do jogo.

Como o Brasil se coloca nesse mercado em relação ao mundo? Temos produção desses carros em território nacional? Infraestrutura com estações de carregamento?

Iêda – Como vimos, o crescimento do mercado brasileiro de leves cresce exponencialmente, porém com uma década de atraso. Mas cresce de forma consistente. Já temos hoje no Brasil 94 mil veículos leves eletrificados em circulação. Até o final de julho/início de agosto, chegaremos a 100 mil.

E já começamos a ter produção no Brasil. A Toyota, líder do mercado de eletrificados, produz o Corolla e o Corolla Cross híbrido flex a etanol em suas fábricas no interior de São Paulo. A Great Wall Motor iniciará a produção de veículos elétricos e híbridos em Iracemápolis (SP) a partir de 2023. A CAOA Chery está adaptando sua fábrica de Jacareí (SP) para produzir somente veículos elétricos.

No caso dos ônibus, o Brasil já tem uma sólida indústria de veículos elétricos e híbridos, trólebus, motores elétricos, carrocerias, chassis, e agora começa a produzir baterias elétricas. É uma cadeia produtiva completa e com tradição de qualidade.

Só em São Paulo o prefeito prometeu 2.600 ônibus elétricos e híbridos em circulação até o final de 2024. Mas outras cidades, como Salvador, Curitiba, Rio de Janeiro, Campinas, também já anunciaram planos de eletrificação do transporte público. Não temos dúvida de que esse mercado também crescerá

E a infraestrutura de recarga acompanhará naturalmente esse crescimento. Hoje, já temos aproximadamente 1.500 estações de recarga públicas e semipúblicas no Brasil para veículos leves. A previsão da ABVE é chegar a 3 mil este ano e a pelo menos 10 mil em três anos. A estrutura de recarga não será um problema para a eletrificação.

Onde no mundo esses carros elétricos são mais comuns?

Iêda – Em números absolutos, o mercado é vastamente liderado pela China. Dos 6,6 milhões de elétricos vendidos no mundo em 2021 (BEV+PHEV), nada menos do que 3,5 milhões foram comercializados na China. Este país detém também 99% dos ônibus elétricos em circulação no mundo, com mais de 500 mil veículos.

Mas como proporção do mercado, o campeão mundial de eletromobilidade é a Noruega, um pequeno país totalmente comprometido com as políticas de baixa emissão. Em 2021, por exemplo, mais de 80% de todos os veículos novos vendidos naquele país foram elétricos. No Brasil, no mesmo período, o market share foi de apenas 1,9%, e ainda assim a maioria foram híbridos não plug-in (HEV).

No mundo, os veículos elétricos plug-in atingiram 9% de market share sobre as vendas globais em 2021, com mais de 6 milhões de unidades vendidas, e poderão ficar em torno de 18% em 2022, chegando a quase 12 milhões de unidades.

Na Alemanha, o maior mercado europeu, os elétricos plug-in (BEV e PHEV) alcançaram 25% de participação nas vendas totais em março último.

Na China, no mesmo mês, os elétricos leves plug-in cresceram 118% sobre março de 2021, chegando a 28% de market share (13% na média do ano anterior).

Eletra produzirá 1.800 ônibus elétricos/ano em nova sede na Anchieta
ANTERIOR
Eletra apresenta tecnologia 100% nacional na Lat.Bus
PRÓXIMO

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *