1 – Mais de 80% da poluição atmosférica nas regiões metropolitanas do Brasil são causados pelos veículos, e muitas delas têm índice de poluição superiores ao indicado como mínimo suportável pela OMS. Os veículos elétricos, principalmente os voltados ao transporte coletivo, seriam uma medida importantíssima para minimizar esse quadro. Por que essa realidade não se efetiva no Brasil?
Iêda – Temos de distinguir os veículos elétricos de transporte individual, como automóveis, e-bikes e patinetes, dos veículos de transporte público, como os ônibus. A expansão dos primeiros é determinada em grande parte pela condição econômica da população, pelo gosto dos consumidores individuais e pela oferta de produtos por parte dos fabricantes. Ou seja, por razões de mercado. Já o transporte coletivo é uma atividade fortemente regulada pelo poder público, municipal ou estadual. É preciso, portanto, que os prefeitos e governadores tomem a decisão de aprovar leis ambientais favoráveis ao transporte público de baixa emissão de poluentes e lancem licitações com regras claras e prazos determinados para mudar as frotas de ônibus a diesel por ônibus elétricos ou híbridos. Ou seja, neste caso, a decisão é política. O fato é que há ainda poucas autoridades públicas dispostas a liderar essa mudança. A resistência da velha indústria dos combustíveis fósseis ainda é grande. Mas essa realidade já começou a mudar, e essa mudança irá se acelerar, até por uma questão de saúde pública. Hoje, só na cidade de São Paulo, morrem cerca de cinco mil pessoas por ano por problemas de saúde diretamente ligados à poluição do ar, segundo o Instituto Saúde e Sustentabilidade. Vários estudos recentes na Europa, nos Estados Unidos e até no Brasil apontam uma relação direta entre índices de poluição atmosférica nas grandes cidades e taxas de contaminação e mortalidade pela Covid-19. Isso significa que os prefeitos que se elegerem este ano inevitavelmente terão de encarar o desafio de oferecer à população um transporte público seguro, limpo e sustentável.
2 – São Paulo estava avançando em ônibus elétricos. Quais cidades no Brasil estão caminhando para essa experiência?
Iêda – São Paulo avançou muito com a promulgação da Lei 16.802/2018. Esta lei determina a troca de toda a frota de ônibus municipal a diesel por veículos de baixa emissão de poluentes num prazo de até 20 anos. Parece muito tempo, mas estamos falando da terceira maior frota municipal do mundo, com mais de 14 mil veículos. A lei veio acompanhada por uma licitação da Prefeitura que fixou um cronograma anual de transição da matriz de combustíveis dos ônibus, a partir dos novos contratos com os operadores. Esta licitação, no entanto, enfrentou muitas resistências políticas e jurídicas e, neste momento, está parada por causa da Covid. Estamos trabalhando para destravar o cronograma de transição. Isso é muito importante, pois a lei paulistana é a mais avançada do país para o transporte público de baixa emissão e uma referência para todas as grandes cidades brasileiras. Ainda assim, posso citar bons exemplos em outras cidades. Campinas também lançou uma licitação para mudar a frota. Curitiba, Sorocaba, São Bernardo do Campo, Rio de Janeiro, Niterói e Salvador também têm planos semelhantes. O fato é que, depois da Covid, o transporte público de baixa emissão tornou-se uma agenda não só obrigatória, mas urgente.
3 – Na sua opinião, qual o principal entrave (tributário, desconhecimento…) para avançarmos e termos um cenário com uma frota de ônibus elétrica, tão comum em diversos países?
Iêda – Como disse, o pontapé inicial cabe aos prefeitos e governadores, com a edição de leis ambientais e novas regras de concessões. Mas há outros desafios. O primeiro deles é recuperar a confiança do usuário no sistema de transporte, abalada depois da Covid. Teremos de ser criativos. Será preciso pensar em novos modelos de negócio para o transporte público. Teremos de atrair novos players, produzir marcos regulatórios mais modernos, políticas tarifárias mais centradas na qualidade do serviço e novas formas de financiamento da operação. Os próprios empresários de ônibus terão de repensar o seu negócio, se quiserem se manter competitivos nesse mercado. O transporte coletivo urbano sobre pneus já estava em declínio, antes mesmo da Covid. Segundo pesquisas da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), o setor perdeu passageiros continuamente nos últimos 20 anos. A queda foi de 25% entre 1994 e 2012 e de mais 26% entre 2013 e 2017. Em abril de 2019, caiu mais 4,3% sobre abril de 2018. No auge da Covid, a queda foi de 63%, nas principais metrópoles do país. Só na cidade de São Paulo, o movimento caiu 77% no final de março. Enfim, teremos de mudar alguns paradigmas que prevaleceram durante décadas.
4) Como vocês estão encarando ou se planejando possíveis adaptação do transporte de massa, em função dessa experiência que estamos enfrentando com a pandemia?
Iêda – No curto prazo, as empresas estão tomando medidas de higienização contínua dos ônibus. Elas terão de pensar também em novas tecnologias de segurança para o usuário e motoristas. Isso inclui desde mudanças no design interno dos ônibus até equipamentos de detecção, varredura e erradicação do vírus da Covid entre os passageiros, antes e depois do embarque. Este é um bom desafio, tanto para a indústria de ônibus quanto para as universidades e centros de pesquisa. No médio prazo, a solução é mudar a matriz de combustível dos ônibus, com a troca do diesel pela tração elétrica ou híbrida. Para recuperar a confiança do usuário no sistema as empresas terão de oferecer veículos mais modernos, confortáveis, seguros, silenciosos e não poluentes. A mobilidade elétrica, portanto, é a melhor saída da crise atual. E temos tudo para fazer essa transição. Temos indústrias de ônibus elétricos e híbridos, temos tecnologia nacional de alta qualidade em motores elétricos, inversores e sistemas de power train elétricos, temos bons fornecedores de componentes e assistência técnica e já começamos a ter opções viáveis de baterias elétricas. Enfim, podemos começar a mudança hoje mesmo.
Entrevista para o Cidade Bem Tradada
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