Por Antonio Ferro em Conexão Mobilidade
Ainda que no horizonte brasileiro o trólebus não seja uma opção lembrada para fazer parte da rede de transporte coletivo urbano, o veículo ainda é considerado uma tendência muito positiva se bem operado
Neste momento em que as discussões sobre qual o melhor modelo de ônibus urbano com tração limpa para as cidades brasileiras pululam a formação de opinião voltada para o desenvolvimento urbano e transporte público, uma versão bem conhecida do veículo tem o seu contexto ambiental amplamente positivo e com uma viabilidade positiva comprovada, apesar de ser questionada por não apresentar eficiência em meio a falta de investimentos que possam lhe promover o desempenho e os ganhos.
Sua configuração combina o uso de uma energia renovável (a eletricidade vinda das hidrelétricas) com um modelo de veículo adaptado perfeitamente no cotidiano das cidades brasileiras e do mundo. De vantajoso, podemos destacar em sua operação alguns fatos como não emitir qualquer gás poluente, ser totalmente silencioso e proporcionar uma considerável redução da dependência do uso de combustíveis fósseis.
O trólebus surgiu no Brasil em 1949, sendo São Paulo a primeira cidade a adotá-lo como alternativa bem sucedida para um modelo de transporte limpo, livre da poluição. Além do pioneirismo, a capital paulista também foi a inspiração para que outras cidades pelo País escolhessem o veículo. Sua operação paulistana foi pautada por novas ideias e conceitos apresentados como forma de proporcionar uma integração entre os modais por meio de uma rede significativa, estruturante e capaz de atender uma demanda expressiva de passageiros.
Um plano altamente inovador, com excelente caráter para contribuir com a mobilidade e o melhor desenvolvimento da cidade, foi apresentado como uma solução para os problemas de deslocamentos que começavam a interferir na estrutura urbana da capital. Seu nome? SISTRAN, bem conhecido dos anais da história. Se colocado em prática, esse projeto teria dado um conceito de modernidade ao ônibus naquela época, com vias segregadas, tecnologia de ponta e veículos avançados.
Entretanto, de lá para cá, sua cronologia foi permeada pela falta de investimento e interesse das gestões públicas municipais que sucederam-se ao longo dos anos. E o que era para ser uma revolução, não passou de um pequeno passo em direção ao futuro da eletromobilidade coletiva. Hoje, o modal tem pequena participação no sistema de transporte paulistano e é fundamental no corredor metropolitano ABD, que liga a capital às cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e Mauá.
Os 70 anos de trólebus no Brasil comemorados em 2019 vêm a calhar para propormos uma reflexão quanto às suas vantagens e benefícios que poderão ser expressivos na vida urbana. Dentre as suas características, destacam-se a alta capacidade de transporte e a imagem de um modelo limpo, sendo reconhecido como opção viável (tecnológica, ambiental e econômica) para a nova realidade dos sistemas de mobilidade urbana. Para a ascensão do ônibus elétrico na atualidade, diversas configurações do veículo aparecem como alternativa de mercado. Dentre os novos conceitos tecnológicos encontrados, destaque para o trólebus que incorpora um banco de baterias como tração auxiliar para a operação em locais onde não há a rede aérea ou em períodos com a falta de eletricidade. Como se vê, a evolução ainda acompanha esse tipo de ônibus.
A revista AutoBus entrevistou Ieda Oliveira, diretora da Eletra, fabricante brasileira de ônibus elétricos, e Roberto Berkes, engenheiro eletricista e coordenador do Grupo de Trabalho de Ônibus Elétrico/Trólebus da UITP – União Internacional de Transportes Públicos para América Latina (LATAM), sobre um panorama vivido pelo modal e seu futuro no Brasil.
Revista AutoBus – O trólebus é visto como algo obsoleto no Brasil e América Latina? Caso sim, porque isso acontece?
Ieda Oliveira – Infelizmente, sim! O trólebus é sempre comparado com o ônibus a diesel e por depender da rede aérea é visto como um transporte obsoleto. Outros dizem que a rede deixa a cidade “feia”, como se o emaranhado de fios desordenados que ocupa 98% das nossas vias não existisse. Há um certo pré-conceito e as pessoas não param para avaliar o sistema trólebus como uma solução para o transporte sustentável, que traz benefícios econômicos e operacionais para o sistema de transporte.
Roberto Berkes – A maioria das cidades no Brasil não tem mais vínculo com os sistemas de tração elétrica convencionais, que foram os bondes e os trólebus. 11 sistemas de trólebus e uma grande quantidade de sistemas de bondes existiram em áreas urbanas entre as décadas de 1920 e 1960 (século XX), principalmente nas capitais. Mas hoje, tanto a população como os empresários, não veem a tração elétrica urbana como uma opção a ser adotada.
Para os mais leigos, os trólebus são obsoletos porque eles remetem aos sistemas que existiam no passado, muitas vezes associados à substituição de linhas de bondes, sem levar em conta o desenvolvimento tecnológico dos dias de hoje.
Então, sim, para as grandes massas, no Brasil e na América Latina, o trólebus é obsoleto.
AutoBus – O caráter ambiental não é suficiente para que sua imagem seja atrativa perante o poder público e o gestor de transporte?
Ieda – Nós vivemos um momento de pouco estudo e muitos palpites. Do ponto de vista ambiental, tanto o trólebus quanto o elétrico puro (baterias), são soluções importantes para reduzir as emissões, aumentar a eficiência e diminuir a dependência dos combustíveis fósseis. Com certeza, se estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental estiverem presentes nas decisões de políticas públicas, o trólebus terá o seu espaço e sua atratividade, principalmente quando somado a tecnologia de baterias.
Ieda Oliveira, da ELETRA
Berkes – O caráter da proteção ambiental é muito ignorado pelo poder público, pela maioria da população e de empresários, em todos os setores, incluindo energia e transporte. Então, fica difícil o convencimento de todos os benefícios no cuidado do tratamento do meio ambiente nestes vários setores. O poder econômico fala muito mais forte e todas as medidas de prevenção, infelizmente, não tem o mínimo poder de mudança de conduta geral.
AutoBus – Sabemos que sua viabilidade positiva é comprovada aqui mesmo, com o exemplo do corredor ABD (região metropolitana de São Paulo). Com condições positivas de operação (pavimento, exclusividade viária, boa manutenção), é possível alcançar vantagens e benefícios?
Ieda – O Corredor ABD é um exemplo de sucesso, pois opera com uma frota predominantemente de trólebus e é avaliado pelo usuário como o melhor sistema de transporte do País. Se o sistema trólebus fosse ultrapassado ou problemático, o corredor ABD não teria uma avaliação tão positiva. Hoje, com a evolução da tecnologia, os trólebus ganham mais flexibilidade. É possível, com um pequeno banco de baterias, potencializar a eficiência e disponibilidade do sistema trólebus, dispensando a eletrificação das garagens e garantindo a operação dos trólebus nas situações de falha na rede aérea ou falta de energia. As tecnologias se somam no que têm de melhor.
Berkes – O modelo do Corredor ABD é, simplesmente, perfeito para o sistema de trólebus. A tração elétrica é muito eficaz para uso em corredores de média e alta capacidades, pois agregam os valores técnicos (velocidade e aceleração maiores, maior torque dos motores, 90% de rendimento energético contra cerca de 30 ou 40% dos sistemas de propulsão à explosão com combustível fóssil e custos de manutenção menores), ambientais (redução da poluição do ar e sonora) e maior conforto. Então, neste corredor, ainda é possível aumentar a sua eficiência, pois, há dez anos foi completamente repotencializado, o que garante que a frota atual, com cerca de 80 veículos, possa ser duplicada nos próximos anos, por ocasião de uma nova concessão de operação.
AutoBus – Há algumas cidades europeias que não desistiram de seu conceito e continuam investindo na modernização da frota e da tecnologia da tração. Em sua opinião, quais as virtudes que permitem essa visão ecológica?
Ieda – A motivação principal é a consciência de que é necessário reduzir a emissão poluente do transporte. Por que trólebus? Bem, quando comparado aos ônibus elétrico puro (baterias), o veículo tem uma grande vantagem que é o investimento na infraestrutura de rede e subestações, com vida útil de longo prazo, acima de 90 anos. Nos elétricos puros também existe a necessidade de investimento em infraestrutura para recarga das baterias, mas a desvantagem é que são necessários grandes bancos de baterias, com vida útil operacional em cerca de oito anos, quando devem ser renovados. Isto não quer dizer que o trólebus seja melhor que o elétrico puro. Apenas que cada tecnologia tem vantagens e desvantagens dependendo do sistema onde será aplicado.
Berkes – A diferença de países de primeiro mundo, como os da Europa em comparação ao Brasil, é justamente a conscientização ambiental, de qualidade de vida e preservação dos bens. Desta forma, as vantagens já conhecidas dos tradicionais sistemas de bondes, VLT e de trólebus tendem a se manter e se modernizar. Porque mudar um conceito que está funcionando e é bom? Ainda falando da conscientização popular e empresarial em relação ao meio ambiente, a Europa, principalmente, é líder no comprometimento de redução do aquecimento global, o que acaba influenciando os projetos de todos os setores, principalmente o de energia e transporte urbano. Então, a modernização dos sistemas de bondes e trólebus acaba sendo a solução mais lógica.
O engenheiro Roberto Berkes
AutoBus – Também há no mercado europeu uma mobilização para que uma nova versão de trólebus, equipada com um banco auxiliar de energia, tenha sua viabilidade comercial. Tal aspecto envolve veículos que trazem baterias para que possam rodar em áreas sem a rede aérea. Você vê essa modalidade como certa na sobrevida do trólebus?
Ieda – Não se trata de sobrevida, trata-se de buscar a melhor tecnologia para sistemas específicos de transporte com emissão zero.
Um corredor de alta demanda com veículos maiores, não encontra solução técnica com baterias, pois necessitariam de grande quantidade das mesmas, o que resultaria em mais peso. Mesmo que houvesse uma viabilização do ponto de vista técnico, temos a inviabilidade financeira, considerando os custos das baterias na aquisição e renovação.
Agora, se juntarmos o trólebus com baterias, temos viabilidade técnica e financeira para o sistema emissão zero. Instalamos um pequeno banco de baterias para o deslocamento fora do corredor e ao chegar no corredor as alavancas coletoras são conectadas automaticamente na rede e assim o sistema elétrico é alimentado por essa rede que também carrega as baterias. Desta forma, o investimento em infraestrutura pode ser diluído a longo prazo e as baterias têm expectativa de vida útil maior e investimento reduzido (tanto na aquisição, quanto na renovação).
Berkes – Certamente! O advento do desenvolvimento das baterias está trazendo ao sistema de trólebus a solução ideal para o seu principal problema, que é a dependência da conexão à sua rede. Ou seja, o principal “problema” que tanto é criticado, nas falhas de sua fonte de energia, deixa de existir com adoção de bancos de baterias suficientes para a operação em grandes trechos de vias desprovida de rede aérea, para transpor desvios no dia-dia de operação e para estender linhas, sem investimentos. E como já existe a infraestrutura elétrica, fica fácil o carregamento das baterias, sem investimentos em grandes subestações adicionais. Ou seja, esta solução veio, certamente, contribuir para a sobrevida dos sistemas de trólebus. Estes veículos passam a ser “livres” de sua rede, tal qual os outros tipos de ônibus, pois, em qualquer momento, fazem uso da energia das baterias.
Leia a entrevista completa na revista Autobus
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