Um documentário de Jean Manzon, “A Luta pelo Transporte em São Paulo”, de 1952, mostra a atualidade dos dilemas da mobilidade urbana na maior cidade do país (ver abaixo).
Um detalhe curioso do filme de 9 min 36 seg é que o roteiro é assinado por um dos mais talentosos publicitários de sua época: João Doria – pai do atual prefeito de São Paulo.
E, de fato, muitos dos temas tratados pelo pai permanecem como desafios a serem superados pelo filho (que nem havia nascido ainda), 65 anos depois.
Por exemplo: a prioridade ao transporte público, e não ao automóvel, os problemas do trânsito e das filas e a inovação tecnológica trazida pelas linhas de ônibus elétricos – os trólebus – inauguradas em 1949.
O documentário faz parte de um lote de 23 filmes de Manzon restaurados pela Dana, empresa americana de sistemas de transmissão e autopeças para veículos, que opera em sete cidades brasileiras.
O filme mostra uma cidade que havia saltado de 1 milhão de habitantes em 1940 para 2,5 milhões em 1952, dos quais cerca de 2 milhões eram transportados diariamente em ônibus e bondes.
ONTEM E HOJE
Num momento em que o atual prefeito prepara uma licitação com a qual espera abrir um novo capítulo na história do transporte paulistano, algumas frases do roteiro de João Doria pai, narradas pelo locutor Luiz Jatobá, chegam a ser proféticas.
Confira.
Sobre o crescimento de São Paulo:
“Na marcha vertiginosa de seu crescimento, há dramas que não se podem ocultar – e, entre este, a luta pelo transporte em São Paulo”.
Sobre o desconforto dos usuários:
“É o sofrimento diário das filas, a espera angustiante dos ônibus que tardam. Eles já não bastam, porque o seu número não cresceu no mesmo ritmo vertiginoso da expansão da cidade”.
Sobre os ônibus elétricos:
“É verdade que um novo sistema de transporte por trólebus – ônibus elétricos – já foi introduzido. Contudo, é pouco, e está longe de atender às necessidades de uma população que espera, um dia, ver resolvido o problema do transporte em sua cidade”.
Sobre o aumento dos custos:
“Acontece que tudo encareceu enormemente. Um ônibus que custava 300 mil cruzeiros cinco anos atrás custa hoje cerca de 500 mil. Pneus custavam 3 mil cruzeiros; hoje, rodam por 5 mil. Baterias, combustíveis e peças quase duplicaram de preço”.
Sobre a defasagem das tarifas:
“O custo de vida subiu para todos nós e também para os empregados no transporte coletivo. Eles não poderiam ganhar hoje o salário que ganhavam em 1947 – ganham o dobro. Entretanto, o paulistano ainda está pagando em 1952 a mesma passagem que pagava há cinco anos”.
Sobre o direito do paulistano a um transporte de qualidade:
“Tem o direito de exigir que somente ônibus e trólebus modernos cruzem os quadrantes da cidade”.
Sobre o otimismo quanto ao futuro:
“Esse dia não está longe. Esforços extremos estão sendo feitos para que muito em breve nós, que nos orgulhamos de ser a cidade que mais cresce no mundo, tenhamos também orgulho de ser uma das metrópoles mais bem servidas de transportes urbanos.”
CONFLUÊNCIAS
O documentário de 1952 coincide com um período em que tanto Jean Manzon quanto João Doria mudavam o curso de suas vidas profissionais e encaravam novos desafios.
Doria tinha acabado de fundar a sua própria empresa de publicidade, a Doria Associados, em 1951, depois de sete anos de carreira bem sucedida numa das maiores agências do país, a Standard Propaganda, na qual chegou a ser vice-presidente.
Já o grande fotógrafo francês Jean Manzon decidiu dedicar-se ao cinema e ao cinejornalismo a partir de 1951, encerrando a lendária parceria de oito anos com o repórter David Nasser, na revista “O Cruzeiro”.
“A Luta pelo Transporte Público em São Paulo” foi um dos primeiros dos mais de 900 documentários que Manzon produziu e dirigiu até 1968, quando voltou à França para assumir a direção da revista “Paris Match”.
Um desses documentários, sobre a Amazônia, ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 1966.
Veja o vídeo:
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